TCHILOLI PODE VIR A SER CONSIDERADO PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL PELA UNESCO

São Tomé, 10 Outubro 2025 – O Tchiloli, uma das expressões culturais mais emblemáticas de São Tomé e Príncipe, pode em breve ser reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A notícia é confirmada por Emir Boa Morte, Diretor-Geral da Cultura e Secretário da Comissão Nacional da UNESCO, que revelou estar confiante de que o anúncio oficial acontecerá até dezembro deste ano. “Até dezembro, estou em crer que já seremos contemplados com o Tchiloli como Património Cultural Imaterial”, afirmou o Diretor-Geral da Cultura santomense, destacando a importância histórica e simbólica desta manifestação que há séculos traduz o espírito e a criatividade do povo santomense. Um espetáculo que mistura teatro, música e dança O Tchiloli é muito mais do que uma peça teatral: é uma festa popular, uma celebração de arte e identidade. Misturando teatro, música e dança, essa manifestação dá vida a uma história de paixão, justiça e poder. A trama é baseada na “A Tragédia do Marquês de Mantua e do Imperador Carlos Magno”, escrita no século XVI por Baltazar Dias, dramaturgo português natural da Madeira. A peça narra o dilema do imperador Carlos Magno, obrigado a escolher entre condenar o próprio filho à morte, autor de um crime por amor ou ceder ao sentimento paterno. (Capa de A Tragédia do Marquês de Mantua e do Imperador Carlos Magno – Edição publicada em Lisboa no ano 1737) Em São Tomé, essa história europeia ganhou novos contornos. Encarnada por atores locais, vestindo trajes coloridos e máscaras expressivas, a tragédia transforma-se num espetáculo vivo, carregado de simbolismo, ritmo e emoção. Entre mitos e etimologias: o que significa “tchiloli”? A origem do termo tchiloli ainda desperta debate. Alguns estudiosos acreditam que a palavra deriva de tiruliruli, nome de uma flauta usada em danças populares portuguesas no Distrito do Porto. Outros apontam uma transformação do termo português teoria, que em tempos antigos significava “procissão” ou “delegação”. Mais do que um simples detalhe linguístico, o nome representa um gesto de apropriação cultural. Ao rebatizar “A Tragédia do Marquês de Mântua”, o povo santomense fez da história europeia algo genuinamente seu, um símbolo da sua identidade e da sua capacidade de reinventar tradições. Uma história antiga, mas sempre atual O Tchiloli, não nasceu em São Tomé, mas foi lá que encontrou solo fértil. Acredita-se que a peça tenha chegado à ilha entre os séculos XVII e XIX, possivelmente trazida por companhias teatrais ou por estudantes santomenses que regressavam da Europa. O primeiro registro documental conhecido data de 1880, quando o jornal O Povo Ultramarino, mencionou a fundação da Sociedade África 23 de Setembro, dedicada à promoção do Tchiloli como “o género teatral mais expressivo do folclore santomense”. Desde então, a tradição nunca mais deixou de ser representada. Hoje, grupos como “Os Fidalgos de Santo António” e “A Tragédia de São João dos Angolares” mantêm viva a chama do Tchiloli, apresentando-se em festas, celebrações religiosas e eventos culturais por todo o país. Uma tradição que atravessa gerações Apesar de suas origens europeias, o Tchiloli foi absorvido e recriado pelo povo santomense. O texto original de Baltazar Dias, composto por mais de 1.300 versos, foi adaptado ao longo dos séculos, incorporando expressões do português moderno e elementos do forro, o crioulo local. Essa fusão de idiomas, ritmos e gestos faz do Tchiloli, uma forma única de teatro, onde a tradição oral e a improvisação convivem com a fidelidade ao texto clássico. O resultado é uma arte profundamente santomense e, ao mesmo tempo, universal. Em 1969, o estudioso Fernando Reis publicou Pôvô Flogá (“O povo folga”, em forro), obra fundamental que documentou uma das versões mais completas da peça e ajudou a consolidar o Tchiloli como um símbolo nacional. À espera do reconhecimento da UNESCO A candidatura do Tchiloli à UNESCO faz parte do esforço do governo santomense em valorizar e proteger o seu patrimônio cultural imaterial. O reconhecimento internacional trará visibilidade não apenas à peça, mas também à riqueza simbólica e histórica de São Tomé e Príncipe. O título de Patrimônio Cultural Imaterial será um reconhecimento da resistência cultural e da criatividade de um povo que, através do Tchiloli, soube transformar uma herança colonial em expressão de identidade, memória e orgulho nacional. Uma herança viva Mais do que uma simples encenação, o Tchiloli é um rito social, um palco onde se reúnem gerações para partilhar emoções, histórias e tradições. É um espelho da alma santomense, onde o passado e o presente se encontram. Se a UNESCO confirmar o reconhecimento, São Tomé e Príncipe não estará apenas a celebrar uma conquista institucional estará a afirmar ao mundo o valor de uma cultura que, mesmo nascida do encontro entre mundos diferentes, floresceu de forma autêntica e profundamente africana. Resumo das Personagens do Tchiloli 1. Imperador Carloto Magno (Carlos Magno) O soberano do império. É o símbolo máximo da autoridade e da justiça. Quando o seu filho, o príncipe Dom Carloto, comete um assassinato, o imperador enfrenta o dilema entre a justiça do Estado e o amor de pai. No final, decide condenar o próprio filho à morte — gesto que representa a supremacia da lei sobre os afetos pessoais. 2. Dom Carloto (Príncipe Carlos) Filho de Carlos Magno. Jovem nobre, impulsivo e apaixonado, assassina Dom Valdevinos por ciúmes, acreditando que o rival estava envolvido com sua esposa, Sibila. A sua tragédia pessoal desencadeia toda a ação da peça. No Tchiloli, Dom Carloto simboliza a juventude, a paixão e o erro humano, sendo ao mesmo tempo vítima e culpado. 3. Dom Valdevinos (Valdevinos de Mantua) Sobrinho do Marquês de Mantua e amigo do príncipe Carloto. É morto injustamente durante uma caçada, vítima do ciúme do príncipe. A sua morte gera o clamor por justiça e dá início ao processo judicial que domina o segundo ato da peça. 4. Marquês de Mantua Tio de Valdevinos e símbolo da honra familiar e da justiça ofendida. É ele quem exige reparação pela morte do sobrinho, pedindo que o assassino seja punido, mesmo quando descobre que o culpado é o próprio