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Editor: Celso Soares | Director : Paulo A. Monteiro

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A ORIGEM E AS DIFERENTES NUANCES DO USO DA BURCA

Da antiguidade ao século XXI: entre a modéstia, tradição e controvérsia global

Lisboa, 27 de Outubro de 2025 — A burca é uma vestimenta tradicional usada por algumas mulheres muçulmanas, sobretudo no Afeganistão e no Paquistão, que cobre todo o corpo e o rosto, deixando apenas uma tela na altura dos olhos. Mais do que um simples traje, a burca é hoje um símbolo complexo, que envolve religião, cultura, sociedade e política.

Origens históricas

Cobrir o corpo feminino precede o Islão. Na Mesopotâmia, Pérsia, Grécia e Roma, o véu simbolizava status social e modéstia. Com a expansão do Islão no século VII, algumas dessas práticas foram reinterpretadas à luz do princípio islâmico de modéstia (ḥayā).

O Alcorão recomenda modéstia tanto para homens quanto para mulheres, mas não define nenhum tipo único de vestimenta. Passagens como as descritas no Alcorão 24:31 e 33:59 pedem que as mulheres “cubram os seus adornos” e usem um manto para proteção. A interpretação destas passagens variou regionalmente, dando origem a diferentes tipos de véus: hijab (cabelo e pescoço), niqab (rosto coberto, olhos à mostra) e burca (corpo e rosto cobertos, com tela nos olhos).

Difusão regional

No Afeganistão, a burca tornou-se comum, especialmente entre mulheres pashtuns, como tradição cultural e não apenas religiosa. Noutros países muçulmanos, a burca nunca se generalizou: prefere-se o hijab, chador ou abaya.

Período Talibã

Desde 2021: Regressa o incentivo e, em alguns casos, a imposição da burca, simbolizando controlo social sobre as mulheres

1996–2001: Uso obrigatório da burca; punições para quem não a utilizasse em público.

2001–2021: Após a queda do regime, uso reduzido nas cidades, mas mantido em zonas rurais.

Egito: tradição, reforma e resistência

Séculos XIX–XX

Durante o domínio otomano e britânico, o Egito viveu reformas sociais. Intelectuais como Qasim Amin viam o véu como símbolo de atraso. A elite urbana começou gradualmente a abandoná-lo.

1920–1950

A feminista Huda Shaarawi retirou publicamente o véu em 1923, marcando o início do feminismo moderno egípcio. Sob reinado do rei Farouk e a presidência de Gamal Abdel Nasser, o Estado incentivou a laicidade e desencorajou o uso do véu em universidades e instituições públicas.

1970–1980

Após a derrota árabe em 1967, surge um movimento de islamização voluntária. Grupos como a Irmandade Muçulmana promovem o hijab como símbolo de identidade islâmica e resistência cultural.

Hoje, o Egito apresenta diversidade existem mulheres com ou sem véu, com niqab, mas a burca nunca foi amplamente adotada.

Turquia: laicismo e modernização

Após a queda do Império Otomano, Mustafa Kemal Atatürk (1923) fundou a República da Turquia com base no laicismo. O véu — incluindo o çarşaf, similar à burca — passou a ser desencorajado em instituições públicas.

Nos séculos XIX e XX, o Império Otomano era marcado por forte estratificação social:

  • Mulheres de elite usavam o véu como símbolo de honra;
  • Camponesas, operárias e prostitutas, muitas vezes, circulavam sem véu.

O anonimato proporcionado pelo véu também era usado por mulheres marginalizadas em cidades como Istambul e Esmirna, gerando rumores e boatos moralistas, que inspiraram lendas ocidentais sobre prostituição ritualizada — sem base factual.

Com as reformas de Atatürk, a mulher moderna devia ser instruída, visível e participativa; o véu passou a ser associado ao “atraso oriental”.

Desde 2000, sob Recep Tayyip Erdoğan, restrições foram suspensas e o uso do lenço é permitido nas universidades e instituições públicas.

O mito da burca e o orientalismo

No século XIX, o Ocidente via o Império Otomano como um palco de exotismo. Sem acesso aos haréns, viajantes europeus preencheram o vazio com fantasia, retratando mulheres veladas como prisioneiras sensuais, que escondiam desejos proibidos.

O mito de que mulheres das elites turcas se prostituíam sob burca não encontra eco nos arquivos históricos. Pesquisadoras como Leslie Peirce, Fatma Müge Göçek e Carter Findley confirmam que a sexualidade feminina era rigidamente controlada, e que não existiam “rituais secretos” de libertação sexual.

O véu e a burca no século XXI

  • Turquia: uso do lenço permitido; mulher moderna é visível e ativa.
  • Egito: diversidade de práticas; liberdade de escolha defendida por movimentos feministas.
  • Irão: hijab é obrigatório; milhares de jovens protagonizam protestos como “As Raparigas da Rua da Revolução” (2017).
  • Afeganistão: burca volta a ser fortemente incentivada com o regresso dos Talibã ao poder (2021).

Hoje, a burca e véu não são apenas vestuário, mas, um território de disputa entre tradição, religião, política e autonomia feminina. A burca e o véu dividem opiniões: para uns, representa fé e identidade; para outros, opressão e desigualdade de género.

Atualmente, entre 16 e 22 países implementaram proibições totais ou parciais do uso da burca ou do niqab (véu que cobre o rosto), variando conforme a legislação específica de cada nação. Essas medidas aplicam-se principalmente a espaços públicos, escolas, universidades, transportes públicos e edifícios governamentais.

Países com proibição da burca ou niqab

A lista inclui países da Europa, África, Ásia e alguns de maioria muçulmana. Entre os países que adotaram essas proibições estão:

Europa: França, Bélgica, Áustria, Dinamarca, Bulgária, Países Baixos, Luxemburgo, Suíça, Noruega, Rússia, Itália, Espanha (em algumas regiões), Kosovo, Bósnia e Herzegovina.

África: Tunísia, Camarões, Chade, República do Congo, Gabão, Senegal.

Ásia: China (região de Xinjiang), Sri Lanka, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão.

Em Portugal, o Parlamento aprovou recentemente uma lei que proíbe o uso de véus faciais em espaços públicos, com exceções para aviões, locais de culto e dependências diplomáticas. As multas para infrações podem variar entre 200 e 4.000 euros

Motivos para a proibição

As razões para essas proibições variam, mas geralmente incluem:

  • Segurança pública: Preocupações com a identificação de indivíduos em espaços públicos.
  • Integração social: Promoção de valores de igualdade e cidadania.
  • Laicidade do Estado: Separação entre religião e instituições públicas.
  • Direitos das mulheres: Argumentos sobre a proteção da autonomia feminina e combate à opressão.

Países onde o uso da burca é obrigatório

Atualmente, o único país onde o uso da burca é legalmente obrigatório é o Afeganistão, sob o regime dos Talibã

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