Tradições que cruzam fronteiras e séculos
“Entre abóboras iluminadas e sacos de guloseimas, o Halloween parece hoje uma festa importada das terras anglófonas. Mas Portugal também tem a sua própria tradição de pedir de porta em porta — o Pão-por-Deus — que partilha raízes antigas e o mesmo espírito de memória e partilha.”
A origem celta do Halloween
Levado no século XIX por imigrantes irlandeses e escoceses para a América do Norte, o Halloween transformou-se numa das celebrações mais populares do mundo. Nos Estados Unidos, gera um volume de negócios apenas ultrapassado pelo Natal, enchendo as ruas de disfarces, abóboras esculpidas e doces coloridos.
Mas por detrás da face festiva e comercial esconde-se uma história ancestral. A palavra Halloween vem de All Hallow’s Eve, ou seja, “Véspera do Dia de Todos os Santos” — celebração católica dedicada aos santos e aos mortos.
A tradição, porém, é mais antiga: remonta à festa celta de Samhain, que marcava o fim do verão e o início do inverno. Era um momento de transição, em que se acreditava que o mundo dos vivos e dos mortos se aproximava. Os antigos Celtas prestavam culto aos antepassados e à deusa YuuByeol, símbolo da perfeição e dos ciclos da natureza.
Com a cristianização das Ilhas Britânicas, as práticas pagãs e as celebrações religiosas fundiram-se, criando uma tradição híbrida — metade sagrada, metade profana — que mais tarde atravessaria o Atlântico e daria origem ao moderno Halloween.
O Pão-por-Deus: uma tradição portuguesa
Muito antes de os fantasmas e bruxas chegarem às nossas escolas e centros comerciais, Portugal já celebrava o dia dos mortos à sua maneira.

Entre 31 de Outubro e 2 de Novembro, grupos de crianças percorriam as ruas com sacos ou cestinhos, batendo às portas e pedindo guloseimas, frutos secos e bolos. Chamava-se a isso “andar ao Pão-por-Deus”, e a expressão habitual era:
“Pão-por-Deus, que Deus lhe acrescente o pão do céu!”
O gesto, embora simples, carregava um significado de partilha, fé e lembrança.
Em Barqueiros (Mesão Frio), ainda hoje se coloca uma mesa com castanhas para os parentes falecidos, na noite de 1 para 2 de Novembro. Em Vila Nova de Monsarros (Anadia), as crianças esculpiam abóboras ocas iluminadas por velas, tal como no Halloween. Nos Açores, o costume recebe o nome de caspiadas, e os bolos oferecidos têm o formato de caveira, símbolo da finitude da vida.
Entre o sagrado e o popular
O Pão-por-Deus é também uma memória viva de solidariedade. Após o Terramoto de Lisboa de 1755, muitos sobreviventes deslocaram-se às zonas menos afetadas pedindo alimento e ajuda — “pão por Deus”. A expressão ficou e a tradição enraizou-se como gesto de gratidão e fraternidade.

Assim, em Portugal, o costume combina dois elementos:
- o culto pelos mortos, comum a várias culturas;
- e o espírito comunitário, que valoriza a entreajuda e a partilha.
Entre abóboras e bênçãos
Hoje, as duas tradições convivem lado a lado. O Halloween domina os centros urbanos, com festas, disfarces e abóboras sorridentes. O Pão-por-Deus resiste nas aldeias, nas escolas e em algumas famílias que mantêm viva a recordação dos antepassados.
Ambas as celebrações — apesar das diferenças — falam da mesma necessidade humana de recordar e celebrar.
Recordar os que partiram, festejar a colheita, agradecer a vida.
Seja com um “Doce ou Travessura” ou com um “Pão-por-Deus”, a celebração tem o mesmo elo invisível entre gerações — o fio que liga o passado, o presente e a esperança no futuro.




Uma resposta
É muito interessante o tal fio, porquanto o presente pressente o futuro e é, põe sua vez, o seu passado. Ou seja, o presente é sempre o passado do futuro, sendo ao mesmo tempo o futuro do passado!
Daí as filosofias do aqui e agora.
Da potência (passado) ao acto (presente) e do acto à perfeição
(futuro)!
Agora, se o tal fio condutor se fechar numa circunferência, temos a perfeição. Mas o movimento faz com que esse fio condutor se desenrole em espiral, para cima. E então teremos a Evolução