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Editor: Celso Soares | Director : Paulo A. Monteiro

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HBD PRÍNCIPE ABANDONA A ILHA APÓS ACUSAÇÕES DE NEOCOLONIALISMO

Santo António, Ilha do Príncipe 18 de Outubro de 2025 – A empresa HBD Príncipe, liderada pelo multimilionário e filantropo sul-africano Mark Shuttleworth, anunciou oficialmente a decisão de parar os seus investimentos e abandonar a ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe. A medida encerra um ciclo de quinze anos de presença empresarial e filantrópica que marcou profundamente o desenvolvimento económico e social do arquipélago, mas que terminou envolto em acusações de práticas neocoloniais e crescentes tensões políticas.

De projeto visionário a pilar da economia local

Quando a HBD (Here Be Dragons) se instalou no Príncipe, em 2010, a ilha vivia uma realidade de isolamento e falta de infraestruturas. A promessa da empresa era transformar o território num modelo de turismo sustentável, conciliando conservação ambiental, inclusão social e desenvolvimento económico.

Ao longo de mais de uma década, a HBD investiu dezenas de milhões de dólares na construção e recuperação de hotéis ecológicos — como o Bom Bom, o Roça Sundy e o Sundy Praia Lodge —, que rapidamente colocaram o Príncipe no mapa do turismo de luxo e de natureza. A empresa financiou também projetos sociais e comunitários, incluindo escolas, unidades de saúde, redes de água potável e programas de capacitação profissional.

Segundo dados oficiais, a HBD chegou a empregar direta ou indiretamente cerca de 80% da população ativa da ilha, tornando-se o maior empregador e contribuinte fiscal do território. A parceria público-privada entre a empresa e o Governo Regional era frequentemente apresentada como um modelo de “desenvolvimento responsável” e um caso de sucesso na integração entre investimento estrangeiro e sustentabilidade ambiental.

Acusações e mal-estar crescente

Apesar dos resultados económicos, a influência da HBD foi-se tornando motivo de controvérsia. Setores da sociedade civil e algumas forças políticas locais começaram a acusar a empresa de exercer excessivo controlo sobre os recursos e o território, comparando a sua presença a uma forma moderna de neocolonialismo económico.

Críticos argumentam que a dependência da HBD tornou o Príncipe vulnerável e diminuiu a autonomia das instituições locais. “A empresa passou a controlar quase tudo — do turismo à energia, da agricultura às decisões sobre o uso do solo. Isso não é parceria, é domínio”, comentou recentemente um antigo membro da Assembleia Regional, sob anonimato.

Essas críticas intensificaram-se nos últimos meses, com debates públicos sobre contratos, concessões e gestão de terras. O ambiente político deteriorou-se, culminando numa quebra de confiança entre a empresa e algumas figuras políticas locais.

Reação oficial e apelo ao diálogo

O presidente do Governo Regional do Príncipe, Filipe Nascimento, lamentou profundamente a decisão e responsabilizou “forças políticas” por criarem instabilidade desnecessária. Em declarações à imprensa, Nascimento afirmou que o abandono da HBD “representa um enorme retrocesso para o desenvolvimento sustentável da ilha” e criticou “a politização de um projeto que durante anos beneficiou milhares de famílias”.

“Esta foi uma parceria frutífera, baseada no respeito e no progresso comum. Infelizmente, alguns preferiram transformar a cooperação em conflito, colocando em risco o futuro do Príncipe e de quem aqui vive”, disse o governante.

Nascimento apelou ainda a um “diálogo urgente” entre todas as partes, para tentar minimizar as consequências sociais e económicas da saída da HBD. Até ao momento, o Governo Central em São Tomé ainda não se pronunciou oficialmente sobre o caso.

Consequências económicas e sociais

A saída da HBD tem um impacto potencialmente devastador para a economia da ilha, onde as oportunidades de emprego fora do setor do turismo são escassas. Com o encerramento progressivo das operações, centenas de trabalhadores poderão ficar sem ocupação nos próximos meses.

Além do emprego, estão também em causa projetos comunitários e ambientais financiados pela empresa, como o programa de bolsas escolares, as campanhas de reflorestação e a gestão das áreas protegidas da Reserva da Biosfera da UNESCO.

Vários habitantes manifestaram nas redes sociais e em rádios locais a sua preocupação com o futuro. “Sem a HBD, não há trabalho, não há turismo, não há nada. A ilha vai voltar para trás vinte anos”, afirmou uma residente de Santo António.

A empresa era também a principal responsável pela manutenção de infraestruturas básicas, incluindo estradas e fornecimento de energia em algumas comunidades. A sua retirada levanta dúvidas sobre a capacidade do Governo Regional de assumir essas responsabilidades sem apoio externo.

A posição da HBD e o silêncio de Shuttleworth

Até ao momento, a HBD não divulgou um comunicado detalhado sobre os motivos da sua retirada, limitando-se a confirmar a “suspensão das atividades e dos investimentos em curso”.

Fontes próximas da empresa indicam que Mark Shuttleworth — conhecido por ser o primeiro africano a viajar ao espaço e por financiar iniciativas de inovação e conservação ambiental — “sentiu que o ambiente político e social já não era favorável à continuidade de um projeto de longo prazo”.

Shuttleworth, que durante anos foi elogiado por apostar num modelo de desenvolvimento sustentável em África, não comentou pessoalmente a decisão, mas a sua retirada é vista por analistas como um sinal de desilusão com a falta de estabilidade política e institucional no país.

O futuro incerto do Príncipe

Com a saída da HBD, a ilha enfrenta agora um momento de incerteza profunda. A dependência económica de um único investidor estrangeiro expôs a vulnerabilidade do modelo de desenvolvimento seguido até agora.

Autoridades regionais e nacionais procuram novos parceiros, mas especialistas alertam que será difícil atrair investidores com a mesma capacidade financeira, logística e compromisso ambiental.

A UNESCO, que reconheceu o Príncipe como Reserva Mundial da Biosfera, poderá desempenhar um papel importante na mediação de apoios e parcerias sustentáveis. No entanto, a curto prazo, a prioridade será garantir estabilidade social e proteger os empregos e serviços criados pela HBD.

Um capítulo que chega ao fim

A saída da HBD marca o fim de uma era na história do Príncipe — uma era de promessas, progresso e também de contradições.

Entre o legado do desenvolvimento e as feridas das tensões políticas, a ilha enfrenta agora o desafio de redefinir o seu modelo de crescimento e encontrar um equilíbrio entre autonomia, investimento e sustentabilidade.

O que foi um símbolo de esperança pode transformar-se num alerta sobre a fragilidade das economias dependentes e a importância de políticas públicas que conciliem investimento estrangeiro com soberania e transparência.

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